Biológicas Educa

Gastrópodes: Quem São, Anatomia e Fisiologia

Por: Isabela T. M. (Bióloga e Professora de Biologia)

Última atualização em 08/05/2025

Introdução

Quando você pensa em um caracol, talvez imagine uma criatura vagarosa, deslizando pela terra úmida depois de uma chuva. Mas o que poucos sabem é que, por trás desse jeito pacato, há um universo fascinante de formas, cores, estratégias e complexidade biológica. Os gastrópodes são verdadeiros sobreviventes e conquistadores de ambientes nos quatro cantos do planeta.

 

Quem são os Gastrópodes? 

Como vimos no artigo “Filo Mollusca: Moluscos – Características, Estruturas e Reprodução“, os Gastrópodes são animais que se locomovem com um músculo chamado “pé” que fica justamente na parte inferior do corpo, como se estivessem rastejando com a barriga no chão. 

A classe Gastropoda faz parte do filo Mollusca, o mesmo das ostras, mexilhões, lulas e polvos. E olha, ela é de longe a mais numerosa do grupo! São mais de 60 mil espécies conhecidas. Elas habitam os oceanos, rios, lagos, florestas e até aquele cantinho úmido do seu jardim. Algumas têm conchas majestosas em espiral; outras, como as lesmas, deixaram a concha de lado em nome da leveza.

 

Anatomia dos Gastrópodes: Além da Concha Majestosa

Os gastrópodes são campeões em adaptação. São encontrados em praticamente todos os ambientes: desde da água salgada ao deserto. Mas o que todos eles têm em comum?

  • Concha (ou não): muitos possuem uma concha calcária única, enrolada em espiral (muito bonita, por sinal), que serve como abrigo e proteção. Mas algumas espécies perderam esse “escudo” ao longo da evolução, como é o caso das lesmas (tadinhas).

  • Corpo mole e alongado: geralmente dividido em cabeça, pé e massa visceral.

  • Rádula: imagine uma lixa cheia de dentinhos microscópicos. Essa é a rádula, uma estrutura usada para raspar, perfurar ou cortar o alimento.

  • Simetria bilateral com torsão: durante o desenvolvimento, o corpo dos gastrópodes sofre uma torção de 180º — o que deixa os órgãos meio “embaralhados”, mas é fundamental para o funcionamento deles.

  • Movimento lento, mas certeiro: eles se locomovem graças a contrações musculares no pé, deslizando sobre um muco que eles próprios produzem.

 

A Fisiologia dos Gastrópodes

Sistema Digestório

O sistema digestório dos gastrópodes começa com a boca, equipada com a famosa rádula. Eles podem se alimentar de algas, plantas, fungos, detritos e até outros animais, dependendo da espécie. O alimento raspado vai para o esôfago, passa pelo estômago e segue pelo intestino até o ânus, geralmente posicionado perto da cabeça (por causa da tal torsão).

 
Sistema Excretor

Os gastrópodes possuem um ou dois rins (dependendo da espécie), responsáveis por filtrar os resíduos nitrogenados do sangue. A excreção é feita por um pequeno ducto que se abre próximo ao manto – uma dobra da pele que reveste parte do corpo e abriga importantes estruturas internas.

 
Sistema Respiratório

Aqui é onde a coisa fica interessante! Alguns gastrópodes aquáticos respiram por brânquias, como os peixes. Já os terrestres desenvolveram um verdadeiro “pulmão primitivo”, uma espécie de cavidade vascularizada dentro do manto que permite a troca gasosa com o ar. É assim que os caracóis e lesmas do seu jardim respiram fora d’água.

 
Sistema Circulatório

Eles têm um sistema circulatório que pode ser aberto (a maioria) ou fechado (em algumas espécies marinhas rápidas). O coração, geralmente com duas câmaras (um átrio e um ventrículo), bombeia a hemolinfa (um fluido semelhante ao sangue, mas que circula livremente entre os tecidos em vez de correr por vasos fechados).

 
Sistema Nervoso

Embora pareçam simples, os gastrópodes têm um sistema nervoso bem estruturado. Possuem gânglios cerebrais, pediosos e viscerais, conectados por cordões nervosos. Algumas espécies, como os caracóis, até aprendem por associação e têm comportamentos mais complexos do que se imagina. 

Lentos Sim, Mas Perigosos Também!

Se você é uma pessoa que é curiosa e adora pegar na mão tudo quanto é bicho que acha bonitinho; tome cuidado! Existem muitas criaturinhas no nosso mundo que podem ser muito fofas, bonitinhas ou aparentemente inofensivas, mas que na verdade podem te levar para deitar eternamente em berço esplêndido. 

Pois é, alguns gastrópodes (mais especificamente da família Conidae – os Caracóis-Cone) são um bom exemplo dessas criaturinhas aparentemente inofensivas, mas que escondem um truque mortal por debaixo da manga (ou, neste caso, da concha – rs). Esses bichinhos, apesar da linda aparência com conchas coloridas e cuidadosamente enfeitadas em uma arquitetura delicada, possuem uma picada venenosa e neurotoxinas que podem ser muito perigosas para nós. E como que acontece? Simples, esses bichos têm um dente (semelhante ao formato de um arpão) que utilizam para injetar o seu veneno nas suas presas (sim, são predadores esses bichos). Mas lembrem-se, tudo que é usado para o ataque, também pode ser usado para a defesa. Por isso, da próxima vez que você for a praia e quiser pegar conchinhas, lembre-se que lá dentro pode ter algum bichinho só esperando o momento certo para se defender (e, se você quiser saber mais sobre o porquê que você não deve pegar conchas da praia, veja aqui “Como é o Ciclo do Carbono?“). 

Além disso, existem gastrópodes que podem carregar consigo outra surpresinha nada agradável como um belo de um parasita que pode te dar de presente uma meningite eosinofílica (inflamação das meninges) ou uma angiostrongilíase abdominal (que pelo nome, você já vê que não deve ser nada confortável – doença infecciosa que pode levar a infartos intestinais, pseudotumores e outras complicações), como é o caso do famoso Caramujo-Africano, por exemplo. 

Figura 1. Conchas de Representantes da Família Conidae
Figura 2. Caramujo Africano (Achatina fulica)

A Reprodução dos Gastrópodes: Um Amor Lento e Pegajoso

A maioria dos gastrópodes terrestres e dulcícolas (de água doce) são hermafroditas, ou seja, cada indivíduo tem tanto órgãos reprodutivos masculinos quanto femininos. Já os marinhos tendem a ter sexos separados (dioicos), com macho e fêmea distintos.

Mas calma, ser hermafrodita não significa se autofecundar (embora algumas espécies façam isso). O mais comum é que dois indivíduos se encontrem e troquem esperma. Em muitos casos, ambos saem fecundados, e cada um depois coloca seus próprios ovos.

O ritual de acasalamento pode ser bem demorado, especialmente em espécies terrestres. Os caracóis, por exemplo, se acariciam, se tocam com o pé (parte ventral do corpo) e envolvem os corpos num tipo de abraço pegajoso, até realizarem a fecundação. São bem carinhosos, não?

Já nos gastrópodes marinhos, a fecundação pode ser externa (com liberação de óvulos e espermatozoides na água) ou interna (como nos nudibrânquios, as lindas lesmas-do-mar). Algumas espécies têm estruturas especializadas como pênis retrátil e até comportamentos acrobáticos para garantir o acasalamento em pleno nado.

Depois da fecundação, eles colocam ovos gelatinosos que são envolvidos por uma camada protetora. E, assim, eles seguem o baile deixando que a própria mãe natureza cuide dos ovinhos.



Os gastrópodes são como poetas silenciosos da natureza, traçando trilhas de muco enquanto cumprem papéis essenciais no equilíbrio ecológico. De mares profundos a jardins urbanos, eles são testemunhas discretas da complexidade e beleza da vida. Então, da próxima vez que cruzar com um caracol no caminho, não o apresse (e nem toque nele!). Lembre-se que dentro daquela casquinha mora uma história evolutiva de milhões de anos. 

Mas não pense que eles são os únicos moluscos que podem ser perigosos para nós… Existem cefalópodes que dariam excelentes vilões de um bom filme de terror devido às suas habilidades incríveis e alguns truques realmente assustadores. Quer saber quais são esses truques? Veja em “Cefalópodes: Quem são, Anatomia e Fisiologia“. 

 

Referências Bibliográficas

SIMONE, LUIZ RICARDO L. Gastropoda. Fauna cavernícola do Brasil. Editora Rupestre, Belo Horizonte, p. 304-315, 2022.

FLORES-GARZA, RAFAEL et al. The Conidae family (snails producers of poisons) associated with the rocky intertidal zone of Acapulco, Mexico. Natural Resources, v. 5, n. 8, p. 343-350, 2014.

AMABIS, J. M. & MARTHO, G. R. Fundamentos da Biologia Moderna. Volume único. Editora Moderna, 4° edição. São Paulo, 2006.