Como é o Ciclo do Cálcio?

Por: Isabela T. M. (Bióloga e Professora de Biologia)
Última atualização em 05/06/2025
Introdução
Se você pudesse enxergar os bastidores da vida, descobriria que existe um elemento absolutamente essencial, presente em cada batida do coração, nos esqueletos dos vertebrados e até na firmeza das rochas mais antigas do Planeta. Estou falando do cálcio, cuja presença se estende da crosta terrestre até as mais complexas estruturas biológicas. Neste artigo, vamos explorar o ciclo biogeoquímico do cálcio, entender o seu papel fundamental na Terra e nos seres vivos, e descobrir por que ele é muito mais do que apenas “um mineral bom para os ossos”.
O Que é o Cálcio?
Pra começar, precisamos entender o que é, exatamente, o cálcio. O cálcio (Ca) é um elemento químico metálico, de número atômico 20, pertencente à família dos metais alcalino-terrosos. Na tabela periódica, ele é bem famoso e na vida ele é essencial. Esse elemento está presente em rochas, solos, água, organismos vivos e, claro, em você também.
Nos seres vivos, ele age como um “maestro”: coordena contrações musculares, ajuda na transmissão dos impulsos nervosos, fortalece ossos e dentes, participa da coagulação do sangue e até contribui para o bom funcionamento das enzimas. Fora do corpo, o cálcio é a essência por trás de formações geológicas como o calcário e o mármore. Mas o cálcio não vive parado na natureza, ele está sempre em movimento; e é exatamente esse movimento constante que chamamos de ciclo biogeoquímico do cálcio.
Como Funciona o Ciclo do Cálcio?
Diferente do ciclo do carbono ou do nitrogênio (que vimos em “Como é o Ciclo do Carbono?” e “Como é o Ciclo do Nitrogênio?“), o ciclo do cálcio é mais lento e terrestre, pois começa e termina, em grande parte, nas rochas. Ainda assim, ele é crucial para a estabilidade ecológica e para a vida como a conhecemos. Veremos agora o “passo a passo” desse ciclo tão importante:
1. O ponto de partida (rochas sedimentares): Tudo começa com as rochas. O cálcio se encontra principalmente nas rochas sedimentares, especialmente no calcário, que é rico em carbonato de cálcio (CaCO₃). Com o passar do tempo, essas rochas sofrem a ação dos ventos, das chuvas e das mudanças de temperatura. Esse processo (que chamamos lindamente de de intemperismo) vai lentamente desgastando as rochas e liberando íons de cálcio para o ambiente.
2. O solo e a água: Uma vez liberado, o cálcio é carregado pela água da chuva até os solos e os rios, como se estivesse pegando uma carona mesmo. A água subterrânea, os lençóis freáticos e até os oceanos acabam recebendo esses íons, que se tornam disponíveis para os seres vivos.
3. A entrada nos organismos vivos: Neste ponto, o cálcio assume uma nova identidade: nutriente essencial. Ele é absorvido pelas plantas através das raízes, onde participa da formação das paredes celulares e da regulação de enzimas. E aí começa o banquete da vida: os animais herbívoros se alimentam dessas plantas e acumulam o cálcio em seus ossos, dentes, conchas e cascas de ovos. Animais carnívoros, por sua vez, consomem outros animais, e assim o cálcio vai circulando pela cadeia alimentar (que você pode entender melhor pelo nosso artigo “Ecossistemas, Níveis Tróficos, Cadeias e Teias Alimentares: O que são?“).
4. De volta à natureza: Mas nada dura para sempre, não é mesmo? Então, quando os organismos morrem, seus corpos retornam ao solo ou ao mar. Suas conchas, esqueletos e restos orgânicos se depositam no fundo dos oceanos ou se decompõem no solo, reiniciando todo o ciclo. Em ambientes marinhos, esses restos podem até formar novas rochas calcárias com o passar de milhões de anos, fechando assim o ciclo do cálcio com chave de ouro.
“Então todo cálcio que há em mim já viajou por outros seres vivos?” Exatamente. Como diria o pai da química Antonie Lavoisier: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Isso significa dizer que tudo que há na natureza está em constante movimento e transformação. Nada surge do nada e nada some do nada; tudo é reciclado, transformado. Então, sim, o cálcio que hoje há no seu corpo já passou por diversos seres vivos antes de você; e, depois de você, ele retornará ao ciclo e ainda passará por muitos e muitos outros seres vivos. É o ciclo sem fim!
A Acidificação dos Oceanos: Uma Ameaça ao Ciclo do Cálcio.
Você pode estar se perguntando agora: “Ué, como que uma coisa no oceano vai afetar um ciclo que é, majoritariamente, terrestre?”; pois é, parece estranho, mas a gente tem que lembrar que tudo na natureza é perfeito e tudo está conectado.
Bom, a acidificação nos oceanos é um processo causado principalmente pelo excesso de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera. Cerca de 30% desse CO₂ é absorvido pelos mares. Ao se dissolver na água, o gás forma ácido carbônico (H₂CO₃), que reduz o pH da água, tornando o ambiente mais ácido.
E como isso impacta o ciclo do cálcio? É que nos oceanos, normalmente, o cálcio se combina com íons de carbonato (CO₃²⁻) para formar carbonato de cálcio (CaCO₃), o material essencial usado por diversos organismos para construir conchas, esqueletos e recifes. Porém, com o aumento da acidez menos íons de carbonato estão disponíveis (pois, o excesso de H⁺ – íons de hidrogênio – se liga ao carbonato, formando bicarbonato, que não se combina com o cálcio da mesma forma), ficando mais difícil de formar estruturas calcárias (então organismos como corais, moluscos, plâncton calcário e equinodermos têm dificuldade de produzir e manter suas estruturas de carbonato de cálcio) e, o pior, o que já foi construído começa a se dissolver (em águas mais ácidas, o carbonato de cálcio pode literalmente se corroer, enfraquecendo recifes de coral e conchas).
Ok, mas aí como que fica o ciclo do cálcio no final? O ciclo se torna completamente caótico e desbalanceado: se temos menos calcificação, teremos menos sedimentação de carbonato de cálcio no fundo dos oceanos. Com isso, a formação de rochas calcárias marinhas fica comprometida a longo prazo e Menos cálcio retorna ao sistema geológico, quebrando a harmonia natural do ciclo biogeoquímico Sacou o porquê que o rolê é bem mais complicado do que parece?
Falar que precisamos controlar os impactos antrópicos (humanos) na natureza – tais como poluição, aquecimento global (processo que é natural do Planeta, mas que, graças à atividade humana, tem sido acelerado em demasia), desmatamento etc – isso todo mundo já sabe. Mas o saber pelo saber não é suficiente; precisamos agir diferente. Fazendo a nossa parte conservando os recursos naturais no nosso dia a dia e consumindo fontes mais sustentáveis, pode parecer algo pequeno, mas tem uma importância grandiosa para a virada de chave no nosso Planeta (ainda dá tempo de virarmos o jogo!).
Mais do que um nutriente, o cálcio é um elo fundamental entre o mundo mineral e o mundo biológico. Ele mostra que a Terra respira, se renova e pulsa com ritmos que, embora muitas vezes pouco visível aos nossos olhos, sustentam tudo o que conhecemos como vida.
Referências Bibliográficas
RAGAGNIN, MARILIA NAGATA. Efeitos de estressores múltiplos no impacto da acidificação oceânica na biota marinha. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.
UZUNIAN, A.; BIRNER, E. Biologia: volume único. 3a ed. São Paulo: Harbra, 2008.
ROSA, ROGÉRIO S.; MESSIAS, ROSSIANE A.; AMBROZINI, BEATRIZ. Importância da compreensão dos ciclos biogeoquímicos para o desenvolvimento sustentável. IQSC-USP. São Paulo, 2003.